Nós 3

Nós 3
Lena Duda e G

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mais que um casal

Quando pensei em criar este blog, a primeira história que queria contar era essa:

Eram exatamente 9:43 h. Eu trabalhava em uma escola muito especial: o Centro Renovo de Educação (CRE). Era hora do recreio e eu cuidava dos alunos no intervalo. Meu telefone tocou. Não reconheci o número mas decidi atender, mesmo no meio de toda a agitação das crianças. Foi a ligação que mudou minha vida.

O que vou contar a seguir não aconteceu em mais do que 20 minutos, mas pra mim, foi como uma eternidade.

Era uma voz mulher muito calma e doce. Perguntou se eu era a Mara Elena, confirmou alguns dados e se identificou, mas não me lembro de seu nome, pois o que me marcou foi o que disse em seguida: “... trabalho aqui no Fórum. Você gostaria de conhecer o histórico de uma menina negra de um ano e cinco meses?”

O mundo parou. Já não ouvia a algazarra das crianças, nem sentia os cheiros que vinham da cantina. Todos os meus sentidos estavam desligados para que pudesse me concentrar no que aquela doce voz me propunha.

Pedi uns minutinhos pra retornar a ligação pois eu tinha que chamar meu marido! Tínhamos que ir juntos!

Nesse dia o Ge estava trabalhando em um evento desde muito cedo. Eu nunca ligo pra ele durante os eventos pois sei que é muito complicado pra ele poder atender. Mas agora era especial. Eu tinha que falar com ele naquela hora, não conseguia me conter!

Liguei e ele não atendeu. Era o que eu esperava, afinal ele estava no meio de um evento. Então insisti. Liguei mais uma, duas, cinco, sei lá quantas vezes. Fui insistente, como nunca fui antes. De repente atende, mas não era o Ge. Era o João, sócio dele, dizendo que era impossível pro Ge atender o telefone naquele momento e me perguntando se estava tudo bem.

Pedi desculpa pela inconveniência, e desatei a contar pra ele tudo sobre a ligação que havia recebido e insisti que precisava de uma resposta urgente. O João é uma pessoa muito calma. Ele me ouviu com paciência, tentou me acalmar e disse: “Só um minutinho que vou falar com ele.” Depois de alguns segundo eternos ele retornou com a resposta que eu já imaginava: “O Ge disse que você pode marcar pra amanhã mesmo.”

Imediatamente liguei para o Fórum. Quem me atendeu foi a mesma voz suave. Tentando disfarçar a ansiedade, eu disse pra ela que gostaríamos sim de conhecer o histórico daquela criança e se poderíamos marcar para amanhã no primeiro horário. Ela me respondeu que sim e que deveríamos estar lá às duas da tarde para nos encontrarmos com a mesma psicóloga que nos entrevistou durante o processo de habilitação para a adoção.

Duas da tarde! Sim, este era o primeiro horário que ela tinha. O que nós poderíamos fazer pro tempo passar mais rápido?

Talvez, se um dia eu for hipnotizada, eu consiga me lembrar de tudo o que fiz naquele dia, porque agora só sei que ele passou. Fiquei meio anestesiada. Só lembro que foi complicado conseguir dormir naquela noite.

Chegamos no Fórum praticamente meia hora antes do que havíamos marcado. Graças a Deus, “nossa” psicóloga, é bem pontual e nos atendeu na hora marcada.

Ela estava mais falante que durante as entrevistas e foi nos orientando pra chegarmos até sua salinha. Eu e o Ge já havíamos estado ali, mas a sala parecia ainda menor que da última vez. Acho que nossa ansiedade era tão grande que fez a sala diminuir mais um pouquinho.

Lemos infinitas páginas com relatos de assistentes sociais, médicos e advogados contando uma história que não tinha cheiro, nem cor, não sorria, nem dava pra abraçar. Então a psicóloga perguntou se gostaríamos de ir até o abrigo para conhecê-la pessoalmente. Ouviu um sonoro: “PODE SER AGORA?!”

Em menos vinte minutos já estávamos no abrigo. Uma casa bonita com crianças bem cuidadas e arrumadinhas. Fomos muito bem recebidos pela responsável por lá. Claro que não imaginavam que iríamos tão rápido, então tivemos que esperar um pouco pra poder encontrar a personagem principal da história que havíamos lido.

Mais minutos eternos.

Do alto da escada veio descendo a responsável pelo abrigo carregando nos braços a minha vida.

Senti um calor enorme no peito e um pensamento quase saiu pela minha boca: “Por favor não faz minha filha chorar!”

Sim eu sabia que era minha filha. Não sei explicar como, mas eu sabia.

Ela colocou a pequena no meu colo e saiu da sala.

A personagem principal da história que havíamos lido agora tinha cheiro, cor, ainda não sorria, mas já dava pra abraçar.

Tentou começar um chorinho, mas em seguida já estava brincando comigo. Ela ainda não era minha, mas eu já era dela.

O tempo não existia.

Uma palmeira foi o ponto de encontro entre ela e o Ge. Uma brincadeira simples: a mão de um que esbarra na mão do outro. Pronto, já estava no colo do Ge. Nossos olhares se cruzaram e veio a confirmação. Sem utilizarmos nenhuma palavra, eu ouvi o coração do Ge. “Nossa Filha” - ele dizia.

Falamos com a psicóloga por telefone e ela foi providenciar tudo para que nossa filha pudesse ir para casa nessa mesma noite.

Enquanto o Ge falava com a psicóloga, chegou a hora do jantar no abrigo. Nosso primeiro jantar juntas. Eu oferecia cada colherada e ela comia sorrindo pra mim.

Além de ser um lugar bonito, no abrigo todos eram muito gentis e simpáticos. Enquanto eu dava a comida pra minha princesa, cuidadora após cuidadora se aproximava pra dar tchau e pra contar alguma coisa sobre ela.

Além de nosso primeiro jantar, eu dei nela meu primeiro banho. Minha florzinha sorria muito, e esperava por esse momento como se soubesse de algo que, com certeza, eu não sabia.

Coloquei-a dentro da banheira, peguei o chuveirinho, molhei seu cabelo, passei shampoo, esfreguei e enxagüei. Sempre com bastante cuidado pra não deixar escorrer nos seus olhinhos de jabuticaba.

Com um movimento rápido de cabeça ela colocou de propósito o rosto de baixo do jato de água e deu sua mais encantadora gargalhada. Foi a música mais linda que já ouvi em toda a minha vida!

Eu tinha que ouvir de novo. Rapidamente espirrei água no seu rostinho angelical e mais uma vez uma linda gargalhada soou como música. Percebi que ela não só não tinha medo da água, mas ela realmente gostava de colocar o rosto debaixo d’água. Fiquei ainda mais apaixonada. Era como um sonho que eu não queria acordar.

Tive que deixá-la com as cuidadoras para dar um pulinho até o Fórum para pegarmos a papelada dela. No caminho ligamos pra amigos e parentes contando a novidade. Foram poucas ligações pois fomos e voltamos voando!

Quando chegamos de volta já nos esperavam com toda documentação dela no abrigo. Era histórico médico, carteirinha de vacinação, horários e hábitos diários, tudo muito bem detalhado. Para nossa surpresa havia também uma sacola cheia de roupas, brinquedos e fraldas.

Pegamos nossa filha e fomos até a casa da minha mãe, afinal todos lá quase não se continham, não viam a hora de conhecê-la.

Já era quase meia noite quando conseguimos chegar em nossa casa.

Nesse dia, quando entramos pela porta de casa já não éramos mais só um casal. Havíamos nos tornado uma família. Papai, Mamãe e Filha. Uma família muito feliz.

sábado, 27 de novembro de 2010

Histórias, Sonhos e Nuvens


Sempre gostei de ouvir as histórias que minha mãe conta. Não estou falando das historinhas infantis ou qualquer tipo de ficção. Gosto daquelas histórias que tem como principais personagens os filhos dela, ou seja, meus três irmãos, minha irmã e eu.

Minha filha tem só 2 anos e está com a gente a menos de um, mas  já temos muitas histórias para contar. Pra não perder nenhuma delas, decidi registrá-las aqui e, assim, poder lembrar e contar pra Duda quando ela estiver maior.

Esta noite me lembrei de algo que estava guardado com muito carinho na minha memória.

Como já disse, tenho três irmãos e uma irmã. Não sei se é genético ou alguma outra coisa biológica, mas todos nós falamos enquanto dormimos.

Minha mãe conta que não só falávamos enquanto dormíamos, mas conversávamos e chegávamos até a brigar, mesmo dormindo!

Ao ouvir a confusão armada, mesmo com cada um dormindo em sua cama, com toda a sua sabedoria, minha mãe dizia: “Tá certo, tá certo.” então todos se acalmavam e a noite podia seguir em paz.

Me lembrei disso com muito carinho, porque hoje acordei no meio da madrugada com minha filha dizendo “Téio puiá!” (Quer dizer “quero pular” em dudês clássico).  Achei que ela estava acordada. Quando chego perto, vejo que ela está  dormindo. Por um momento pensei: “Será que ouvi mesmo, ou eu estava sonhando?” Foi então que ela repetiu impaciente: “Téio puiá! Téio puiá!”

No seu sono infantil, provavelmente ela estava brincando em alguma nuvem, mas precisava da autorização da mamãe pra poder ir até a outra nuvem... (olha como minha imaginação vai longe!)

Foi quando me lembrei da minha mãe e de toda sua sabedoria. Respondi baixinho: “Tá tudo bem, meu amor, pode pular.” A Duda se acalmou e continuou toda linda no seu sonho de saltar entre as nuvens até de manhãzinha.